Tuesday, November 21, 2006

Post-Mortem




Hoje já não guardo rebanhos
já não viajo pelo mundo
já não me falam aqueles que me cruzam
Abraça-me a minha família
presente e passado,
já choram os meus avós que se faz noite.
Vejo os meus pais,
que belo romance me há-de gerar.
Lembro-me da apanha da azeitona,
do sangue embebido pelo suor,
dos risos perdidos..
Tristemente aborrecido
revela-me a noite
da qual fujo,
não do medo,
aprasivel movimento diurno,
reflexo enovoado do meu amor por... ,
mas de mim..
Quando o fogo consome os sonhos,
apenas eu ficarei,
memórias de almas que não nascem
nem tão pouco sentem a morte.
Volto sozinho a mim,
já a noite caiu,
as pessoas já se despediram do caminho,
do caminho que já não tenho,
tenho saudades..mas não, não de mim..
sonho em vê-los ali,
parados na minha enfermidade..
Terei morrido em paz, não sabendo..

Thursday, September 14, 2006

Elegia de Amores Perfeitos


Pensas em viver
deixar quem te ama
acompanhar-te
mas o que desejas sabes
só existir na alma
pela qual o teu coração nao sofre.
A mão que te acaricia
afasta-te
recolhes os teus olhos
fechas as mãos e pensas em fugir,
a adorar cada momento,
nao consegues mergulhar
no que te chama e te consome.
Porque choras?
A história um dia secará
no leito do advento de uma memória
que alguma beleza
tentou fazer por merecer..
Olha como as crianças se riem
neste rodopio,
um carrosel de inocência..
mas enquanto cai a noite
e as folhas esmorecem
por entre as minhas mãos
percebo porque choras..
porque te vejo a gritar..
porque sinto como minha
a inocente queda dos teus olhos..
morreu o teu Deus..
e o teu filho ri..

We are all scared...

Thursday, August 24, 2006

Assexualidade Temporal




A chama que me guiou
diluida no horizonte
quem a vê
me conduzirá..
ao que em mim gosto de encontrar.
Duvido que alguém lá esteja
que alguém carregue estes olhos
num coração que ao bater..
pensamos sentir.
Mais um vez reposarei
as minhas esperanças
no cigarro que se cria a meu lado
e novamente o dia irá nascer
e algo em mim pedirá para descansar..
Nesta dança
de corpos denegridos pelo sol
continuarei sentado..
sentindo a estupidez a flagelar-me o peito
Alma sem corpo,
ouços risos,
lábios que ocultam palavras
que embora silenciosas
me deixam à procura.
um esoterismo dilacerante
que me leve a fechar os olhos,
e me faça acordar..
mas não..
não quero deixar de sonhar.

Monday, July 10, 2006

Liberdade


Escrever em rima
não conheço nada mais fútil
uma paz semântica
contudo inútil.
Há que adorar a ironia
de só quem sente
dizer que por algo morria..
sumo de um coração oco..
a saudade consciente de quem mente..
Vejo idolos por diante..
que lembranças me trazem.
ódio..
talvez liberdade..
mas liberdade?De quem..
Leio palavras mortas
e nem em mim lhes consigo dar sentido..
seria isso dar-lhes vida..
eu também escrevo por linhas tortas..
mas o mistério,
verdade nenhuma porventura..
perde-se em perfeita consciência..
Escrever é inútil
como inútil é sentir
palavras iguais às quem já um dia nelas viveu,
Quero pensar
como um poema sem rima,
viver sem sintaxe
criar ordem nativamente digna,
mas..
sentir mete-me à parte,
o que não me deixa de cansar
porque não acredito que sinta..



Hoje tive um exame que não podia ter corrido pior.. Desperdiçei um boa nota na parte do trabalho..e agora fica para o ano.Quando é que séra que sentir as coisa como as sinto me vai deixar viver..e ter juizo.Como é que uma pessoa que como eu não acredita em nada para além da consciência perder um vida à procura de algo para sentir..

Sunday, June 11, 2006

Um teste que fiz

You scored as Fallen Angel. You my friend are a FallenAngel. You were amongst the closest to God, yet love led you down a path of self-destruction. You find yourself crying a lot, because of the pains of this world. Yes it is very crewl, yet you know there isn't a thing you can do about it. Follow your heart and you will find some of your former happiness.

Fallen Angel

58%

Vampire

42%

You are a Demon

17%

Black Witch

8%

You are a Vampiric Elf!

8%

What creature of the night are you you most like? (Pics!!)
created with QuizFarm.com

Tuesday, May 16, 2006

Filosofia

De que vale ter alma
de que vale aprender a sonhar
querer dar a conhecer o caminho
do qual so conheço o passado..
Em sabedoria
dizem que o tempo apaga mágoas
cura feridas..
o que fazer então quando a ferida é o próprio tempo..
quando nunca mais passa
e tu nao desejas que ele passe..
Gostava de ter uma alma so minha
que ao pensar soubesse o que sentia
não que ao escrever o que sinto
sentir que alguém já o sentiu
será assim verdade...
Há quem diga
que a verdade somos nós que a fazemos
mas que verdade será
reflexo do que corre nas veias
ou do que penso ao criar..
Não há razão
nem para quem mente
nem para quem segue o coração..
nem mesmo para quem acredita que não sente.
A vida é um sonho sem fim
uma eternidade
perdida em cada um de nós
o que lhe faz juz
talvez um cigarro..
A ciência conduz
a arte procura esconder
a música tema em fazer aceitar
que talvez a unica salvação
seja o não sonhar..
pensar e querer dormir..
Chamem-me nomes
gozem a minha filosofia
eu vou continuar a andar..
próximo de mim mesmo
e de quem adoro e vejo amar
Deixem-me ficar...
..Só..
e ai talvez terei o meu destino.

Monday, April 24, 2006

Parabéns

À procura do sonho
o tal começo inesperado
que ao adormecer
foge sem descanso
por alguém que não lhe interessa.
Não nasce o ódio
nem cresce a paixão
o que foi feito do que queria
porque me deixaste sem vontade
sem alma..
a alma é o medo.
o medo que crias em mim
de seres estéril às minhas mãos..
Acordar como sem mais nada para fazer
assisto à passagem destes momentos
como o prelúdio de uma tempestade
da qual te escondes
mas quem em mim nasce em saudade..
Saudade de nada
saudade do que agora foi então
momentos passados
a desejar que não fosse este o momento
que a saudade me abriria as portas
do que um dia desejei que fosse o amanhã
Um poeta menor..
alma talvez imensa..
chamaria-lhe a passagem das horas..
eu chamo-lhe vida..
não há como passar o tempo
sem este prenúncio de destruição..
Beleza nem pagã nem humana..
queria ser perfeito..
aos vossos olhos..
não viver sob esta terra..
engolido e despejado..
viverei...
nem que para isso tenha que aceitar a morte..
Espero..
cansado de dormir..
e com vontade de adormecer..
de descansar esta consciência..
com que gasto os frutos do vosso sofrimento
desejam-me felicidade
uma vida
subjugado pelos vossos credos..
mas não posso..
nunca mais..
com a minha destruição dou valor ao vosso sofrimento..
nada vale a pena...
dar a vida
o último acto de amor..
talvez o único...
não compreendem que só assim..
Abstinência moral
um desperdício,
maior que a vida
maior que a morte..
porque assim é a alma de quem sonha..
Sonhar...
até ao sonhar..

A pensar no que faço..na vida que levo..naqueles que dão a vida por mim..ah e fiz anos..parabens a mim :|
Não ha esperança...so deixar passar o tempo..libertar os outros do fardo da nossa consciência embora não a sintam..

Shape of Despair - Angel of Distress...

Cantico Negro - Jose Régio

Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

Thursday, March 30, 2006

Sonho de uma vida

As aspirações de uma vida
sonho sem descanso
brisa efémera na noite
perdida na noite de um sol decandente.
Sonho à deriva
por marés dissolvas em fumo
será o coração
serão as lágrimas nos olhos de um cego
será a perdição da razão
um vulto que cresce do meu medo.
Ver o mundo pelos olhos de Odin
e numa tempestade perder-me nos braços de Thor..
ah não me tentem compreender
não me mostrem beleza.
que eu vivo para o cântico desta musa,
para sempre perdido na minha Elíade..
Agora que me sentiste..
que a tua mão me tocou a cabelo,
não tenho medo..
ah nunca mais..
para sempre o trovador deste sonho
que ninguem me siga.
que ninguem me mostre o caminho..
que perdi quando a vossa consciência matou o meu Deus,
ah sonhem,
sintam e amem..
e serão o meu sol..
a vida que acordado sinto que estou a desperdiçar..

Thursday, March 16, 2006

Adormecer



Ao cair da noite
quando a alma e o mundo
em ti se nega
na escuridão do teu quarto
sentes que podes nascer,
e numa paz que so ao entardecer,
pensar em sonhar.
De quêm será esta dádiva
este toque de realidade éfemera
que amas,
mesmo que na verdade,
de quem ama
te faça sofrer.
Perdido neste cântico de liberdade,
sonho sem consciência
impérios de uma mente que se despede.
O que na minha consciência renego,
nasce insolúvel para um novo dia,
num momento que em solidão
se esconde.
Fecho os olhos
e sinto...sinto...
sem vontade nem agrado
esta dissolução,
o entorpecer de uma alma
que por momentos julguei eterna,
refúgio imprisionado de uma consciência
que me ataca..
Penso em lutar,
fumar e criar...
mas dói em mim este sentimento
de que ao acordar...
não te consigo ouvir,
meu sonho.
Sonho em adormecer tranquilo..


Dedicado a um amigo que descobri que tenho a certeza que vai compreender de uma forma especial o que escrevi.

a ouvir Shape of Despair - Sleeping Murder

Saturday, March 11, 2006

De olhos fechados




Por uma cortina de fogo
amada na sua ignorãncia
perde-se o toque
a visão
que a humanidade jura eterna.
Serão os teus olhos
o climax da imperfeição
o desprender de uma saudade passada
talvez destruida...
talvez amada...
em queda...
para sempre imprisionada.
A perca da humanidade
malvada condição
não será destruição
nem benção
talvez apenas um fechar dos olhos
e abrir do coração.
Será a alma
eternamente perdida
pelas drogas da nossa mortalidade
subjugada pelo reflexo gelado da nossa consciência
ou amada pelo adormecer da realidade
à qual o teu coração
agradece...
um lar.

Thursday, February 02, 2006

Espirito

A desejar que o silênçio
se quebre
renegue em pedaços o que
pela minha alma um dia pensei possível.
Vejo distante
o vosso mundo
como que à procura
ao estender a mão
tristemente longíquo
embarco na minha escravidão.
Vejo o verão a nascer
a vida a se desprender
do mundo
e em mim cresce algo
que se sinto
não o consigo escrever.
O alimentar de uma crença
acaba em guerra
despedaçada a esperança
a minha consciência renasce
num colina onde o amor se despede do dia.
E assim vou vivendo
escondendo de mim
a solidão
e por um momento
apenas adorar o sorriso de um novo dia.
Tristemente patético...
quem me dera...
A felicidade é a ilusão que se está vivo.




A ouvir Forgotten Tomb - Kill Life

Thursday, January 05, 2006

Dissolução

Sinto como minha
a dissolução de um mundo
que por minha loucura
se renova ao passar da multidão
em cada alma que ao passar por mim
mais me faz acreditar
que nada disto tem razão.
A minha mente é uma abstracção
uma gota de luz
num oceano que sinto apagado
uma ironia
que cantada
se eleva e desaperece
como algo de inútil
o final de um fado.
Sinto em mim tudo
o que à minha volta se destrói
e guardo-o...
com a esperança
bem sei sonho
de que me ajude a te compreender.
Tudo se consome
ao renascer
tudo se dissolve
sem culpa nem remorsos.
ao sentir que quero viver.
E ao sorrir escondo-te
alma minha..
Sim...
Ai Sim..
escondo-te.
Tenho medo do Tempo
que ele de mim leve
o que em ti destrói.
Cinzas nada mais que cinzas..



Este pedaço de texto foi "inspirado" no poema abaixo de Alvaro De Campos(Tabacaria) e em Esoteric.A maneira como as coisas passam por nós, tão cheias de significado e de ideiais acabam por ser destruidas à mercê do tempo.Como diria Alvaro De Campos nada na vida é mais do que um cigarro,um momento no tempo,uma distracção momentânea,um rasgar do véu..uma visão tão querida aqueles que em perfeita consciência sonham.
Gosto de sentir essa dissolução,ácida dirão alguns, mas de momento a única coisa que me da alguma razão.Os sorrisos serão apenas uma mascara,ou a alma a lutar para escapar..
Obrigado ao Sinistrous e ao Sérgio por compreenderem.

Wednesday, January 04, 2006

Tributo

TABACARIA - ÁLVARO CAMPOS

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

Simplesmente perfeito